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13 de maio de 2004

 
Prof. João Paulo colabora apresentando este texto onde o Homem sem perceber, torna-se um objeto de consumo. Vale a pena ler:

O IMPÉRIO DA VAIDADE

Em tempos de ditadura da beleza, o corpo é massacrado pela indústria e pelo comércio, que vivem da nossa insegurança, impotência e angústia.

Paulo Moreira Leite

Você sabe por que a televisão, a publicidade, o cinema e os jornais defendem os músculos torneados, as vitaminas milagrosas, as modelos longilíneas e as academias de ginástica?
Porque tudo isso dá dinheiro.
Sabe por que ninguém fala do afeto e do respeito entre duas pessoas comuns, mesmo meio gordas, um pouco feias, que fazem piquenique na praia?
Porque isso não dá dinheiro para os negociantes, mas dá prazer para os participantes.
O prazer é físico, independentemente do físico que se tenha: namorar, tomar "milk-shake", sentir o sol na pele, carregar o filho no colo, andar descalço, ficar em casa sem fazer nada. Os melhores prazeres são de graça - a conversa com o amigo, o cheiro de jasmim, a rua vazia de madrugada -, e a humanidade sempre gostou de conviver com eles.
Comer uma feijoada com os amigos, tomar uma caipirinha no sábado também é uma grande pedida.
Ter um momento de prazer é compensar muitos momentos de desprazer. Relaxar, descansar, despreocupar-se, desligar-se da competição, da áspera luta pela vida - isso é prazer.
Mas vivemos num mundo onde relaxar e desligar-se tornou-se um problema. O prazer gratuito, espontâneo, está cada vez mais difícil.
O que importa, o que vale é o prazer que se compra e se exibe, o que não deixa de ser um aspecto de competição. Estamos submetidos a um cultura atroz, que quer fazer-nos infelizes, ansiosos, neuróticos. As filhas precisam ser Xuxas, as namoradas precisam ser modelos que desfilam em Paris, os homens não podem assumir sua idade.
Não vivemos a ditadura do corpo, mas seu contrário: um massacre da indústria e do comércio. Querem que sintamos culpa quando nossa silhueta fica um pouco mais gorda, não porque querem que sejamos mais saudáveis - mas porque, se não ficarmos angustiados, não faremos mais regimes, não compraremos mais produtos dietéticos, nem produtos de beleza, nem roupas e mais roupas.
Precisam de nossa impotência, da nossa insegurança, da nossa angústia.
O único valor coerente que essa cultura apresenta é o narcisismo. Vivemos voltados para dentro, à procura de mundos interiores (ou mesmo vidas anteriores). O esoterismo não acaba nunca - só muda de Papa a cada Bienal do livro, assim como nos cursos de auto-conhecimento, auto-realização e, especialmente, autopromoção. O narcisismo explica nossa ânsia pela fama e pela posição social. É hipocrisia dizer que entramos numa academia de ginástica porque estamos preocupados com a saúde.
Se fosse assim, já teríamos arrumado uma solução para questões mais graves, como a poluição que arrebenta os pulmões, o barulho das grandes cidades, a falta de saneamento.
Estamos preocupados em marcar a diferença, em afirmar uma hierarquia social, em ser distintos da massa. O cidadão que passa o dia à frente do espelho, medindo o bíceps e comparando o tórax com o do vizinho do lado, é uma pessoa movida por uma necessidade desesperada - precisa ser admirado para conseguir gostar de si próprio.
A mulher que fez da luta contra os cabelos brancos e as rugas seu maior projeto de vida tornou-se a vítima preferencial de um massacre perpetrado pela indústria de cosméticos.
Como foi demonstrado pela feminista americana Naomi Wolf, o segredo da indústria da boa forma é que as pessoas nunca ficam em boa forma: os métodos de rejuvenescimento não impedem o envelhecimento, 90% das pessoas que fazem regime voltam a engordar, e assim por diante.
O que se vende não é um sonho, mas um fracasso, uma angústia, uma derrota.
Estamos atrás de uma beleza frenética, de um padrão externo, fabricado, que não é neutro nem inocente.
Ao longo dos séculos, a beleza sempre esteve associada ao ócio. As mulheres do Renascimento tinham aquelas formas porque isso mostrava que elas não trabalhavam. As belas personagens femininas do Romantismo brasileiro sempre tinham a pele branca, alabastrina - qualquer tom mais moreno, como se sabe, já significava escravidão, trabalho.
Beleza é luta de classes.
Estamos na fase da beleza ostentatória, que faz questão de mostrar o dinheiro, o tempo livre para passar tardes em academias e mostra, afinal, quem nós somos: bonitos, ricos e dignos de ser admirados.

(Revista Veja, 23 ago. 1995. p.79)




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Criação, Edição e Atualização
Paulo Antonouza