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13 de setembro de 2008

 

Quem abre as portas? - UPA 2008

Seguindo um projeto que é desenvolvido desde 2006 (reveja a visita ao UPA 2006 e ao UPA 2007) em busca do desvelamento do mundo universitário para os jovens da escola Dinah, levei 43 discentes ao UPA 2008 (um relato desse trabalho será publicado nos próximos dias).
Entretanto, uma situação muito constrangedora aconteceu durante a visita.
Ao contrário dos anos anteriores, fui o único representante do corpo docente a acompanhar a turma, e mesmo procurando dar atenção a todos e todas, as conversas acabam sendo rápidas ou tomadas pelos mais falantes, assim, só soube disso quando pude sentar e conversar com os rapazes envolvidos no retorno a Brotas.
A situação envolveu uma ação promovida pelos agentes de segurança interna da Unicamp, em um dos restaurantes na universidade, onde Marcos Felipe (3ºG), Anselmo e Jonas (2ºF) foram abordados, e Marcos e Anselmo, revistados, segundo os agentes, atendendo a uma pressuposta suspeita de algo (os nomes são fictícios).
Com a autorização dos discentes, e segundo seus relatos, publico abaixo o comentário que enviei hoje ao blog da UPA 2008, na intenção de colocar os organizadores do evento a par do que aconteceu, e na expectativa de que ações futuras desse tipo sejam melhor organizadas. (veja o blog da UPA 2008).



(...)
Sou professor de Arte e responsável pelo Projeto Universidade Agora, que desenvolvemos na Escola Estadual onde leciono.

Há três anos levo os estudantes em visita ao UPA, o que tem oferecido a todos nós, experiências bastante significativas na compreensão do mundo universitário, desde a nova etapa de vida até a escolha dos cursos possíveis.

Nesses três anos, alguns dos estudantes participaram das três visitas, que para nós é cara em termos financeiros, já que Brotas fica a 3 horas de ônibus de Campinas e cansativa ao final, justamente pela distância.

Felizmente, não só para mim e os estudantes, mas também para suas famílias e a comunidade escolar, as visitas se revelam válidas e gratificantes em análise dos valores construídos nessa prática. Todos os anos, os relatos que coleto como avaliação dos discentes, as fotos e os comentários, são positivos.

Neste ano, infelizmente, algo muito desagradável aconteceu.

Três dos estudantes (dois negros e um branco) foram abordados pela segurança interna no restaurante próximo a uma das faculdades de Engenharia. Os garotos haviam almoçado neste lugar anteriormente e retornaram para tomar sorvete depois (essa situação aconteceu às 15h). Enquanto tomavam sorvete, segundo os estudantes, três viaturas da segurança interna pararam no local, dirigiram-se direto a eles, mandaram que ficassem em pé voltados para a parede e pediram seus documentos enquanto abriam e revistavam suas mochilas. O rapaz branco foi liberado e o RG dos rapazes negros tomados para registro de nome e número (provavelmente). Ao final da "operação", devolveram o documento dizendo que haviam se enganado.

Três versões, dadas por três dos "agentes" foram ouvidas pelos rapazes: "houve uma denúncia e vocês são suspeitos", "roubaram uma moto", "é uma ação preventiva". Nas justificativas de dois dos “agentes”, não foi dito que ELES eram os suspeitos, mas pela ação e pelas palavras ficou "claro" que os suspeitos eram os negros. Os únicos negros no restaurante lotado, ambos trabalhadores, que conseguiram liberação do serviço para visitar a universidade e conhecer os cursos que intencionam fazer, estimulados pelo projeto desenvolvido na escola que frequentam regularmente.

Humilhados perante todos os outros frequentadores, que não se manifestaram, os rapazes juntaram suas coisas (as mochilas foram revistadas porque podia ser que a moto estivesse lá, não é mesmo?) e depois de pagarem para a risonha senhora (sim, ela ria) que estava no caixa, saíram do lugar.

Feliz ou infelizmente, só soube disso no retorno a Brotas.

Não acredito que essa postura discriminatória (uso esse termo baseado na liberação do rapaz branco e a não intervenção das pessoas presentes e as justiticativas que não se relacionavam) seja típica da Unicamp e nem da instrução que os funcionários recebam, muito menos que possam denegrir um programa tão bom em termos acadêmicos como o UPA, porém, não poderia deixar de lhes alertar sobre isso: rapazes que nunca fizeram nada contra a lei vigente, e que nunca haviam sofrido qualquer espécie de abordagem e revista policial, foram tratados com intolerância e posterior tolerância – considerando toda a carga ideológica que esses termos carregam, devido à cor de suas peles.

Todos os discentes e eu ficamos abalados com a situação. Principalmente por sabermos da mesma somente quando já estávamos voltando para casa.

Esse relato é mais um desabafo que outra coisa.

Porém, ele tem a intenção urgente de solicitar que as pessoas que se preocupam com o bem estar coletivo, principalmente dentro de uma universidade pública, sejam menos seletivos se tiverem que abordar "suspeitos", e considerem, que mesmo os suspeitos, tenham a cor que tiverem, merecem respeito e explicações objetivas do motivo pelo qual estão sendo sujeitos à autoridade.

É isso. Pretendemos sim continuar visitando o evento nos anos vindouros, e um dos rapazes, mesmo com a situação, concorrerá a uma vaga mediante o vestibular desta universidade, mas esperamos, e pedimos humildemente, que as relações humanas possam se revelar em alteridade, sem perder a autoridade, porém, respeitando a existência de todos e todas, enquanto cidadãos, estudantes e principalmente, humanos.
(...)


Infelizmente aconteceu dentro da Unicamp, por pessoas envolvidas com sua representação.
Chamo a atenção para o acontecido e não para o local.
E para isso, cito um parágrafo da dissertação de mestrado de Valéria Aparecida Algarve:
"A vida é assim, não precisamos ir à escola para saber o que é preconceito, discriminação e racismo; esses fatores estão presentes, ainda que veladamente, em nossas famílias, e em outros ambientes nos quais convivemos. Aparecem nas pequenas palavras, em frases, comentários e piadas, que minimizam e se recusam a reconhecer o valor do outro, que é diferente de mim, e essa negação se fixa a partir de julgamentos feitos pelos aspectos físicos das pessoas, como cor da pele e textura dos cabelos, entre outros." (ALGARVE, V. A. Cultura negra na sala de aula. 2004, p.11).
Temos é que atentar para as relações humanas, e os fenômenos originários nas práticas que envolvem essas relações.


15/09 - 11h23 - Recebi uma ligação da Coordenação do UPA 2008 dizendo que a denúncia está sendo averiguada e confirmando que a ação de algumas pessoas não pode e nem deve comprometer um programa que visa, acima de tudo, o acesso dos estudantes das escolas públicas à universidade.
Agradeço em nome de toda a comunidade escolar, a consideração demonstrada até o momento.


Prof. Paulo Antonini leciona Arte na Escola Dinah.




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Criação, Edição e Atualização
Paulo Antonouza